Healthcare Mindset
Você não sentiu nos últimos anos a sensação de ficar ultrapassado pelos acontecimentos?
Provavelmente você culpou a falta de recursos, equipamentos ou pessoal. Mas, alguma vez pensou que precisava mudar a forma de encarar a realidade? Mudar de paradigma, ou de mindset? Não que esteja ultrapassado na sua profissão, porque acontece o mesmo com muitos colegas em todo o setor hospitalar, devido ao tempo de adaptação às novas realidades.
Ao observar de fora o universo do setor Healthcare, com mais de cinco décadas de experiência profissional e empresarial, consigo identificar padrões e oferecer insights de valor. Este artigo busca destacar alguns desses insights, promovendo um novo mindset para enfrentar os desafios que se avizinham.
Não importa se hoje você está bem, e sem problemas. A realidade vai chegar para todos.
Vejamos o seguinte quadro:
Você está caminhando pela linha azul, com pensamentos incrementais, enquanto a complexidade e a realidade avançam pela curva exponencial. Quando você está em cima da curva não percebe o problema, até que depois de um ponto de ruptura (breaking point), não poderá alcançar a realidade e nem terá tudo resolvido. Veja o exemplo do aquecimento global.
Porém, todos os anos você assiste a uma quantidade de novas ilusões, novas tecnologias que prometem resolver os problemas na íntegra. Agora é a inteligência artificial (IA), anteriormente era a telemedicina, o IoT, Blockchain e o não sei quê 5.0. E na realidade tudo isso pode ajudar, mas não resolve.
Então, vamos aprofundar nas causas primeiras (root causes) que poderá utilizar e preferentemente sem investimento.
O “mindset” quer dizer: Uma maneira de pensar, ou ver as coisas, uma atitude.
As soluções propostas não estão organizadas por prioridade, pois cada hospital tem um problema diferente, dada a diversidade de casos.
Mindset 1. Crescer não é a solução, mudar o modelo sim. Você tem um monstro disforme. Aumentá-lo não resolve sua essência, continua disforme. Você tem que mudar de monstro. Vivemos numa sociedade cada vez mais complexa e continuamos com respostas superficiais.
Como diz Taiichi Ohno, criador do sistema Lean ou Lean Toyota: “o sentido comum, está normalmente errado”. Ele está querendo dizer, que não sejamos tão superficiais, devemos aplicar a regra dos 5 porquês para cada tema e não ficarmos com o primeiro porquê.
A experiência está superestimada e aqueles que decidem qual solução tomar, são os que estão no poder e não os experts, que estão perto dos problemas. Os problemas são sistêmicos e necessitam ser abordados por grupos multiculturais de setores diversos, dentro e fora da instituição. Se quiser ser criativo, tenha cuidado com os especialistas, pois têm muitas respostas engessadas.
Mindset 2. Aonde você vai? Existe uma estória de um homem que estava cavalgando a todo galope e ao cruzar com um monge, que surpreendido pergunta: “e você aonde vai?” ele responde: “eu não sei, o cavalo sabe”.
No final de cada ano, quando analisamos o sucedido, vemos que muitas de nossas ações foram reações aos acontecimentos cotidianos, externos a nós, e não o resultado de uma estratégia com um propósito procurado. Temos que definir uma estratégia clara, com uma ideia poderosa, fácil de entusiasmar muitas pessoas. Nós temos que perguntar: “onde estou, aonde quero chegar e como faço para conseguir isso”. Cotidianamente estamos correndo de um incidente ou urgência, para outro. O que se chama de estratégia incidental. Nós, preferimos reestudar o cenário com uma visão estrutural, baseada em uma mudança cultural dentro da organização.
Mindset 3. Antes de implementar uma estratégia, você tem que estabelecer a Cultura.
“Os líderes necessitam entender de mecânica e de encanamento, mas também necessitam amar a poesia, para poder acender os corações e as mentes dos conduzidos” Tsedal Neely.
A Cultura precisa de um objetivo, com certo nível de abstração que possa atingir a todos os grupos de pessoas, com uma categoria mais elevada e abstrata. Também pode ser uma utopia ou solução idealizada, que atraia e nos permita depois materializar as ações para implementar a utopia.
Frequentemente eu conto uma estória de 4 amigos que vão pescar todos os fins de semana. Enquanto todos preparam com capricho seus anzóis, um deles, sempre chega despreparado e pede ajuda para os demais. Até que um dia, um dos amigos fala: “Neste sábado, não convidem o Zeca, pois não me sinto à vontade”. Moral da estória: quem não adiciona valor ao entorno, será rejeitado. Uma boa cultura poderia ser: Estamos para agregar valor aos demais!
Nesse “entorno” eu incluo o Ecossistema da Saúde. Nenhuma solução será valiosa se não integra os outros, dentro e fora da instituição. Um pensamento estratégico, apoiado numa fresca cultura que consiga animar os corações de muitos, com visão no ecossistema, começa a conformar o que eu chamo de mindset adequado.
A solução apenas poderá resolver com uma visão mais holística, enxergando o bem comum. Acabou a época em que poderíamos resolver nossos problemas, tirando de outro. Temos que ser criativos e aumentar o tamanho do bolo.
Mindset 4. Uma cultura de poder, terá poucas possibilidades de converter-se no mindset adequado. Não estou falando de apenas evitar uma cultura do medo, o que seria terrível. Estou indo além disso. Uma instituição moderna e orientada ao futuro, deveria ter um ambiente de hierarquias mais horizontal, baseado em normas claras que todos possam cumprir, dentro de um sistema justo. O gradiente de autoridade é um término que define a diferença de autoridade entre um chefe e seu subordinado. Na indústria da aeronáutica existia o problema que os subcomandantes da aeronave não se atreviam a dizer que a aeronave estava muito baixa para a aterrisagem. Indo além deste exemplo, temos que perceber diversos gradientes de autoridade dentro da instituição, como um problema de exagero de poder que deve ser evitado, começando desde o nível superior.
Mindset 5. Transparência é a Ética do século XXI. Não poderemos implementar o mindset 4, se não somos transparentes e abertos. Temos que deixar que as críticas subam ao nível superior.
Quando um avião cai, todas suas peças são recolhidas e analisadas num hangar durante vários meses, por pessoas de outra organização. Quando uma pessoa morre, vítima de um evento adverso, nós não procedemos igual. A falta de transparência está baseada no sentimento do medo. Apesar das reclamações judiciais, ganharíamos mais, tendo uma cultura superior que ocultando para sempre os problemas. Está demonstrado que mais dos 95% dos casos de eventos adversos são responsabilidade do sistema do hospital, ou seja, mais de procedimentos e treinamentos, do que das pessoas. Seria uma boa política, liberar todos os profissionais de culpa, que ajudem a declarar os erros, exceto aqueles de índole reiterada e criminal. Proteger aos que fazem denúncias também é necessário, caso o responsável não tenha autodenunciado.
Mindset 6. O equilíbrio entre os setores internos é necessário. Os dois grandes grupos culturais de um hospital são: o setor clínico e o setor de gestão. Quando não existe harmonia e compartilhamento profundo dos objetivos e valores destes dois setores, então se passa a um sistema, onde um setor domina ao outro, com consequências importantes. A integração destes dois setores num objetivo superior, envolve uma atitude de transparência e compromisso, dentro de um ambiente com hierarquias que se respeitam com igualdade. Assim como o setor clínico quer o melhor para seus pacientes, o setor de gestão quer consolidar e aumentar seus lucros. Ambos os objetivos são legítimos, mas antagônicos e precisam resolver-se com o mínimo de tensão, com poderes comparáveis e respeito entre as partes. Muitas operações no hospital são similares a qualquer outra empresa. Enquanto a prioridade é atender aos temas clínicos, nas restantes empresas se mede muito mais a eficiência de cada processo. Numa indústria, todos estão com o cronometro na mão. O justo e adequado equilíbrio entre ambas as posições antagônicas deve ser conseguido, pois no final o Hospital é uma empresa que requer resultados econômicos, seja para o lucro, ou para sua subsistência.
Mindset 7. Mudança do modelo de negócio. Todos os negócios no mundo estão indo em direção a um sistema de assinatura. Em breve você já não comprará carros, fará uma assinatura para ter o carro de sua preferência. O mesmo com muitos produtos e serviços. O setor hospitalar não tem melhor negócio que faturar por um serviço que não necessita prestar. Pelo menos numa proporção. Uma cobertura de um seguro de saúde, permite que você treine, eduque e prepare seus pacientes para não ficarem doentes. E com isso, reduza seus custos e aumente seu lucro. Empresas da saúde que investem em prevenção, gastam até 30% menos que as outras. Quando um hospital trabalha para uma região, até pode ficar interessado em melhorar o sistema de água e saneamento, para evitar gastos posteriores. Já existem seguros de saúde que subsidiam academias. Evidentemente faturar por eliminar, ou atenuar doenças é totalmente diferente de um modelo por manter o paciente com saúde. O beneficiado desta mudança seria o próprio paciente. Hoje quando acontece um evento adverso o mesmo hospital segue faturando mais serviços, o qual não deixa de ser um absurdo do sistema.
Mindset 8. Orientação ao cliente. “Customer centric aproach” é uma metodologia, centrada no cliente, aqui o paciente. É uma orientação para estudar e priorizar tudo o que o cliente tem como satisfação, extensamente utilizada por muitas empresas. Neste quesito, além de curar as doenças, as instituições se preocupam com a hotelaria, a comida e até o sistema de parking dos veículos. Satisfação do cliente ou User Experience (UX) é todo um tema, pois implica medir, para dar satisfação ao paciente. Entrelaçado nos temas de Medicina baseada em Valor, este tema implica medir a satisfação do paciente, inclusive quando sai do hospital e está no período da recuperação.
O sistema Lean Healthcare, com incidência direta na Qualidade e na economia (sistema enxuto), nos diz que tudo que não agrega valor ao cliente, deve ser eliminado. Com desperdícios hospitalares (waste), perto de 30%, reduzir este número daria até uma duplicação dos resultados atuais. Embora o processo não seja automático e leve alguns anos para a mudança de cultura, e até que muitos saibam ver o que não agrega valor ao cliente, ele é muito importante e necessário como demonstram os resultados de muitos hospitais pelo mundo. Temos muito estoque sobrando, demasiadas caminhadas internas que podem ser evitas e muito espaço para recuperar. Mais informações você encontra no livro “Lean Healthcare” de minha autoria, que está disponível para download gratuito, na plataforma Opuspac University (www.opuspac-university.com).
A aplicação das normas Lean Healthcare, (não confundir com Lean 6 Sigma), é outro dos caminhos para melhorar o Mindset, orientado ao que realmente oferece utilidade ao cliente do seguinte processo ou ao paciente que é o cliente final.
Mindset 9. Melhorar a Qualidade é também um bom negócio. Um estudo sobre os hospitais de maior lucratividade nos Estados Unidos, revela que dão muita ênfase na Qualidade – Quality Assurance (QA). Este último conceito abarca desde a qualidade até a segurança do paciente – Patient Safety. Uma gerência de QA, ou de Lean, Quality and Safety (LQS), com hierarquia de trato direto com o diretor do hospital, seguramente dará um melhoramento dos resultados.
Aqui podemos observar como um hospital que se encontra à esquerda do ponto mínimo, ao aumentar a qualidade, se desloca para a direita, reduzindo seus custos totais, enquanto aumenta seus investimentos em qualidade. Os poucos hospitais à direita do ponto mínimo são aqueles que colocam a qualidade como um fator primordial em sua estratégia comercial e podem lucrar mais por isso. Estas soluções são propositalmente utópicas e o motivo de expressar isto aqui é de provocar novas ideais e visões, diferentes das cotidianas. Talvez não se consiga aplicar todas elas, mas um mindset não é uma sequência de procedimentos, é uma visão, um ideal a procurar. Para tempos excepcionais, se requerem soluções excepcionais.
Nota: Este artigo, foi motivado após a apresentação do Dr. Fernando Torelly e Dr. Paulo Chapchap, onde mencionaram que a situação de hospitais hoje é crítica e que chegou o momento de mudar e buscar soluções fora das instituições hospitalares.